quarta-feira, 30 de junho de 2010

Como,onde e com quem: As coisas como elas são na Vila Mimosa



Apesar da vaidade, poucas meninas aceitam fotografar

Se a origem da Vila Mimosa nos remete às polacas e aos hábitos europeus do século XIX, hoje o cenário disposto pela rua Sotero Reis é bem diferente. As meninas que trabalham na Vila são em sua maioria de baixa classe social e chegaram a prostituição por necessidades financeiras aliadas a falta de instrução e oportunidade.

Muitas provêm do nordeste do país, grande parte são mães solteiras e sustentam seus filhos sem a ajuda dos respectivos pais. Mas também é comum a prostituição entre mulheres casadas. As origens de sua renda em 90% dos casos são omitidas, elas geralmente contam às famílias que trabalham como domésticas ou acompanhantes.


O mal estado de conservação e limpeza é notório no bairro

Além da Vila Mimosa, um lugar é comum entre elas: a Baixada Fluminense. Em nossa apuração notamos que todas as meninas entrevistadas moram na baixada. Devido à distância, muitas não retornam às suas casas e passam a semana no clube, dormindo e trabalhando em quartinhos minúsculos de aproximadamente 4x2m.

Os filhos dessas prostitutas parecem ter sempre o mesmo destino: a casa das avós. São elas, as avós, que cuidam e educam as crianças enquanto suas filhas trabalham para dar sustento à família. O tempo em família é escasso, aos finais de semana elas trabalham, e durante a semana nem sempre é vantajoso voltar para casa, tudo depende do movimento de clientes.

O programa no Clube das Primas custa em média R$ 27, desse valor, R$ 7 destinam-se ao aluguel do quarto, que é pago ao dono do clube. As meninas não possuem expediente fixo e trabalham de acordo com sua vontade, pagando o valor do quarto elas podem usá-lo a qualquer hora do dia ou da noite.


As meninas pagam em média R$: 7 pelo uso do quarto.

Próximo ao Clube, estão as “meninas do beco” que se prostituem usando os quartos de outras casas. A respeito delas é interessante citar o preconceito que foi desenvolvido por uma parte da Vila, as mulheres que se prostituem no beco, são conhecidas pelo vício em cocaína. Geralmente, elas empregam a maior parte de seus lucros nessa atividade e por isso são repelidas pelas outras meninas que não fazem uso desse tipo de droga.


O forte esquema de segurança que existe no lugar está para elas e contra elas ao mesmo tempo. Para elas em relação ao público, e contra elas em relação a conduta de cada uma, dívidas, por exemplo, não são perdoadas. Quando uma garota deixa de pagar algo em algum estabelecimento dentro dos limites da Vila Mimosa, ela é castigada ou até mesmo expulsa do local.

Alguns comerciantes optam por uma conversa sincera com as inadimplentes, eles alegam saber a forma agressiva como elas serão tratadas pelos seguranças. É o que afirma Natasha, balconista de um dos bares do Clube das Primas: “Eu não chamo a segurança, a gente paga, mas eu não chamo, senão eles batem muito nas meninas”.


Mc Catra na Vila Mimosa


O Clube das Primas abriga quatro bares, uma loja de roupas segmentada, um salão de beleza, o DEPILASIM, e algumas mesas de sinuca espalhadas no espaço central. O local pertence a quatro policiais militares que alugam a estrutura do clube para outros comerciantes. A loja de roupas possui mini peças íntimas penduradas por todo o teto e os preços variam de 5 a 25 reais. O casal de comerciantes responsável pela loja se reveza para cumprir o expediente do estabelecimento, mas garante que o movimento é maior no começo do mês.

Alto movimento de pessoas mesmo durante a semana.

O mesmo ocorre com o movimento no Clube que é sempre maior até a primeira quinzena do mês. Período no qual os freqüentadores gastam mais. Já o salão consegue ter maior estabilidade, as meninas estão sempre escovando os cabelos, fazendo as unhas ou usando serviços de depilação. É comum vê-las completamente depiladas, e segundo Geórgia, depiladora do salão, o estilo brazilian wax (meio de depilação no qual se retira todo o pêlo pubiano) é o mais pedido. Unhas grandes, coloridas e desenhadas também são bem usuais.

Apesar da prostituição ser o maior objetivo da Vila Mimosa existe uma estrutura, ainda que pequena, que garante a realização de atividades com outra natureza. A AMOCAVIM (http://www.vilamimosa.com.br/) oferece diversas oficinas, entre elas citamos: artesanato, corte e costura, informática, teatro e outros. As meninas participam de peças, desfiles e o tão aclamado concurso de beleza “Gatinha Mimosa”. Os professores responsáveis por essas atividades são cedidos pelo Ministério da Cultura, mas nem sempre as aulas agradam ao gosto das meninas. Durante o ensaio para o ato de Natal a presidente da associação Cleide Nascimento comentava: “Esse professor é muito chato! Daqui a pouco elas desistem...Ele tem que entender que elas não são atrizes de verdade, elas tem o jeito delas, tem que respeitar.”


Copa do Mundo na Vila Mimosa

Quem chega na Vila e conversa com funcionários e principalmente com as meninas só escuta uma reclamação: o movimento. As meninas alegam que muitos homens só vão ao Clube beber e “tirar onda com a cara das putas”. Como quase tudo na VM depende da prostituição, essa se tornou uma queixa frequente em todos os âmbitos. Jéssica, prostituta do beco há quatro anos afirma: “Durante os finais de semana isso aqui enche, tem muita gente mesmo. Mas durante a semana só tem mosca e homem que vem tirar onda com a cara das putas”.

O sustento de Natasha

Natasha, assim como a maioria dos trabalhadores da VM prefere não fotografar

Natasha é uma das inúmeras pessoas que trabalham na VM, mas não se prostitui. Nascida no Maranhão, a simpática balconista de 40 anos foi uma das poucas que nos concedeu entrevista sem muita insistência. Porém, não faltou a exigência comum em todos os casos, o "não"
às fotografias.

Como você chegou até aqui?
Natasha: Eu vim parar aqui enganada! Nem sabia onde era, pensava que a VM era um casarão com uns quartinhos. Eu estava desempregada e, um vizinho meu disse que sabia de uma vaga num bar perto da delegacia da Praça da bandeira. Aceitei vim e estou aqui até hoje.

Antes de chagar aqui o que você fazia?
Natasha: Eu era balconista de uma padaria lá perto de casa.

Como você reagiu ao chegar aqui?
Natasha: Eu me assustei um pouco. Com os seguranças e com essas meninas que andam peladinhas, não sei como consegue...

Você já foi aliciada?
Natasha: Vixe!Direto! Sempre tem uns caras falando umas besteiras. Se eu tivesse do lado de fora ninguém ia querer fazer programa, mas como eu tô no balcão, todo mundo quer. Eles pensam que toda mulher que entra aqui é piranha.

Sua família sabe que você trabalha aqui?
Natasha: Sabe. Até o meu filho sabe. Apesar de trabalhar num lugar errado eu tenho a vida certinha. É foda dizer pro seu filho que voce trabalha na VM ,mas não é puta. Ele acredita, mas sempre é motivo de chacota pras outras crianças, eu falo pra ele não ligar pra isso, mas pra criança é difícil.

Você gosta de trabalhar aqui?
Natasha:Eu tô aqui há 3 anos porque preciso, tenho um filho de 9 anos pra criar.Esse lugar é muito carregado, meu sonho é trabalhar num lugar melhor, mas enquanto não arranjo serviço melhor, vou ficando por aqui mesmo.

Desnudando a Vila: a verdadeira história da rua Ceará

Vila Mimosa nos anos 80


A Vila Mimosa surgiu no século XIX, a expansão urbana ocorrida na segunda metade deste século promoveu uma grande agitação no porto da cidade do Rio de Janeiro, que se tornou o centro das atividades econômicas do país. Por ali, desembarcavam imigrantes estrangeiros ou migrantes de regiões mais pobres do país em busca de melhores condições de vida. Devido ao enorme fluxo de marinheiros e de uma população de baixa renda, abriu-se espaço ali para o desenvolvimento de um mercado de baixo meretrício.

Através do porto, milhares de meninas oriundas do leste europeu desembarcaram na cidade. Os aliciadores agiam, principalmente, nas aldeias pobres da Polônia, Romênia, Rússia, Áustria e Hungria. Essas meninas que, ao desembarcar, tinham como única opção para sobrevivência, a prostituição, viriam a ser chamadas de “polacas”.

As “polacas” não eram necessariamente polonesas e resumiam a imagem das mulheres nativas de regiões atrasadas agrícola e industrialmente da Europa. Devido a seu fenótipo (mulher branca, loira e de olhos claros), as “polacas” se encaixaram perfeitamente em um ideal extremamente romantizado da burguesia carioca e passaram ser vistas e valorizadas enquanto acompanhantes de luxo.
Com a política de modernização e refinamento da cidade promovida por Pereira Passos, as prostitutas foram expulsas do centro do Rio de Janeiro. As meretrizes foram mandadas em direção aos subúrbios da cidade, e acabaram se estabelecendo no bairro da Cidade Nova. As “polacas” misturam-se, então, às prostitutas brasileiras e se mudam para a rua Pinto de Azevedo. Em uma região que constituía mais de dois quilômetros de raio, as prostitutas consolidam o que ficou conhecido como “Zona do Mangue”.

A perseguição e repressão das autoridades cariocas e as notícias de prosperidade e riqueza oriundas do Ciclo da Borracha vindas de Manaus, faz com que parte das “polacas” da Zona do Mangue se transfira para a Amazônia. No final do século XIX, já eram as preferidas da alta burguesia da capital amazonense.

Outro fator que explica o desaparecimento das “polacas” da Zona do Mangue é a perseguição que entidades judaicas realizaram contra elas. É que a maior parte das prostituas oriundas do Leste Europeu era judia, e a ligação de uma comunidade inteira a atividades como a prostituição representava o perigo de uma estigmatização e da construção de uma imagem negativa perante a população nativa.



São muito antigas as origens do baixo meretrício no Rio

Porém, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, o número de meretrizes vindas do leste europeu aumenta. Há uma emigração em massa da Europa, e muitos desses imigrantes vêm parar no Brasil. Com os maridos envolvidos no conflito, muitas mulheres desembarcam em solo carioca com muita fome e sem perspectivas de conseguir algum emprego no mercado formal de trabalho. Juntaram-se, então, às últimas “polacas”, na rua Pinto de Azevedo.

Após a chegada dessas mulheres que fugiam da guerra, a Zona do Mangue muda de endereço e se estabelece na rua Júlio do Carmo, ainda na Cidade Nova, onde ficam por mais de dez anos.
A prostituição cresce e se desenvolve. Diversos shows aconteciam nos bares e cabarés que compunham a Zona do Mangue. Grandes artistas, como Luiz Gonzaga, se apresentam por lá. Com isso, criam-se novas maneiras de sociabilidade e são desenvolvidas novas formas de comportamento, tanto masculino como feminino.

Após algumas obras, a Zona do Mangue muda de endereço novamente e vai para a esquina da Travessa do Guedes com a rua Miguel de Frias. Ao chegarem no local, as prostitutas se hospedam em uma vila já existente, chamada “Vila Mimosa”. O nome pega, e a Zona do Mangue passa a ser conhecida como Vila Mimosa. É nesse período que as “polacas” saem de vez de cena.

Em 1994/1995, a Vila muda novamente de lugar. Vai para a rua Sotero dos Reis, na Praça da Bandeira, por causa da construção do prédio que seria a sede da Prefeitura do Rio de Janeiro. Devido ao senso de humor e à irreverência do carioca, o prédio é apelidado de “Piranhão”, em referência às antigas moradoras do local.